Uma cidade invisível dentro da metrópole

 

Em 2011, 14.478 pessoas estavam em situação de rua na cidade de São Paulo: 14 478 pessoas que tornaram-se invisíveis para os que podem usufruir São Paulo de outro modo. Em pouco mais de uma década, o número quase dobrou só na região central. Hoje são em torno de 16000 pessoas em situação de rua, muitos dos quais por situação de desagregação familiar, perda de trabalho ou situação de alcoolismo e droga-adição. Muitos mandam o pouco dinheiro que conseguem para a família, mesmo vivendo na rua. No Brasil, no censo realizado em 2008, eram 31.922 indivíduos em situação de rua, número que, já na ocasião, dizia respeito a apenas 71 municípios brasileiros. Imagine hoje o tamanho deste número.

Como me disse hoje uma liderança que luta pelos direitos da população de rua: "é uma cidade". Uma cidade invisível, daquelas que mereciam figurar nos livros de Ítalo Calvino.

Não é fácil viver na rua. Não é fácil sair dela. Se você quer ver um trabalho magnífico que está sendo feito em SP, conheça mais sobre o clube de trocas que acontece embaixo do viaduto do Glicério, com a população de rua. Lá a moeda social é a miruca. São moradores de rua que montam a feira - organizada pela Associação Minha Rua, Minha Casa - e, com as mirucas que recebem, adquirem os produtos de higiene pessoal, roupa e alimentos que necessitam. Não as roupas doadas, que, numa violência silenciosa, congelam o indivíduo que recebe numa posição de eterno devedor. Antes, a construção de  novas e promissoras sociabilidades, que constroem cidadania pela "retomada do poder de escolha", como diz Rosana, esta liderança carismática que há 18 anos luta com e pelo o povo da rua. 




O clube de trocas do viaduto do Glicério também nos estimula a profundas reflexões sobre a cidade e sua progressiva privatização. Diariamente confrontamo-nos com a desaparição social de muitos espaços da cidade, reduzidos à condição de fluxo sempre que a vida que nela se manifesta contraria a estética dominante, num cenário em que só conta o que pode ser etiquetado como mercadoria. O viaduto como espaço de encontro desafia e confronta dois pressupostos destas paisagens urbanas, por vezes tão desiguais e desumanas: (1) ele convida à experiência da permanência, num lugar onde a passagem, a lógica de permanente fluxo, não permite o pouso do olhar; (2) ele proporciona a "aparição" de quem, reiteradamente submetido à humilhação social, foi até então percebido como apêndice da rua.
 
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Abaixo, o censo (SP) da população em situação de rua. Todo mundo deveria ler:

http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/assistencia_social/observatorio_social/pesquisas/index.php?p=18626


http://www.mds.gov.br/backup/arquivos/sumario_executivo_pop_rua.pdf

Comentários

  1. ó Luciane, gostei muito da partilha, e acho que temos muito para conversar, para mim faz muito sentidos as suas palavras, alias, acho que temos que apronfundar a discusao dessa cidade invisivel que de maneira paralela co-existe com as metropolis, porque a discusao do urbano-rural ja foi ultrapassado. gostei muito de seguer esta discusao, embora que ainda nao acabou, ta iniciando pelo que deu para perceber... abrazo Luciane

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    Respostas
    1. Oi, Eber!

      Tô aqui no Brasil, na pesquisa de campo.

      Que bom que vc gostou do texto!

      Em agosto estou de volta. Vamos discutir mais sobre estas questões!

      Bj pra vc e pra Flor,

      Luciane

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