Sobre as eleições e o recrudescimento de um imaginário social a-político no Brasil



1. Um overview dos debates à Presidência

Tenho lamentado que Luciana Genro praticamente não apareça no debate. Parece-me haver uma orientação no sentido de limitar seu espaço. Verdade é que todos os demais candidatos são visíveis. Só Luciana parece ficar de fora.  Entretanto, há propostas arrojadas no seu programa: taxar as "efetivamente grandes" fortunas, fazer auditoria da dívida pública, avançar com uma reforma tributária consistente, eliminar o fator previdenciário que prejudica os aposentados, mudar as condições de financiamento de campanhas, avançar com uma reforma política, lutar pelo alargamento do sentido de família e dos direitos das minorias, mudar o modelo agrícola. Há mais. Estas medidas, porém, dão uma dimensão do fôlego da candidata. Quem a ouve nas entrevistas em que pode deter-se nas respostas, percebe com nitidez que ela sabe o que está propondo.

Apesar da coerência inegável de suas propostas, Luciana perde demasiado tempo - que já não tem - para mostrar o quanto são parecidos, segundo ela, "os três candidatos do sistema". Luciana perde não só tempo mas também simpatia de possíveis eleitores ao focar sua fala nos demais candidatos. Tem se repetido nas oportunidades de fala, quando deveria aproveitar o tempo e fazer girar suas propostas, já que nem todos lêem o que está nos programas de governo ou assistem as entrevistas individuais na internet onde ela tem podido explicar algumas de suas propostas.

Quem tem sobressaído nestes debates midiáticos nos canais abertos, por incrível que pareça, é Eduardo Jorge. Não tem papas na língua, é simpático, confronta os demais candidatos com dados e perguntas embaraçosas, sem rotula-los. Parece um acerto. Uma pena que algumas questões embaraçosas que ele faz acerca da economia não sejam entendidas por muitas das pessoas. Um ajuste no jeito de falar e na apresentação, e Eduardo ganharia mais evidência nos debates e a simpatia de quem o assiste. Por mais que façam troça com ele nas redes sociais - chamando-lhe candidato paz e amor -, vai revelando coerência e, com seu discurso relaxado, naturaliza o debate sobre o aborto e sobre as drogas. Retira o caráter pesado e usualmente superficial desta discussão (à exceção de Luciana Genro em entrevistas mais longas) e coloca a coisa em termos naturais e evidentes. Contrariamente à Luciana, entretanto, tem melhor desempenho quando está nos debates da TV aberta, causando impacto imediato por suas declarações sem rodeios. Contudo, se algumas de suas propostas podem parecer bastante arrojadas no plano das ideias, elas nem sempre se revelam práticas/factíveis na implantação (caso, por exemplo, da multiplicação dos vereadores sem salário nos municípios). Seu partido, o PV, faz uma aposta no desenvolvimento sustentável e na cultura de paz. Ambos os conceitos, entretanto, merecem a devida problematização (e politização). A própria cultura de paz, como discurso e sem um reconhecimento das dívidas e desigualdades históricas que marcam os conflitos, pode ser um fator de alienação. Não se passa uma borracha na história como se ela não existisse. Não se apagam conflitos porque as pessoas se abraçam. A paz só pode existir se não estiver assente no apagamento das lutas e dos motivos que a elas deu origem. Apesar do aparente "deixa disso", Eduardo parece ter esta noção em suas propostas de segurança pública.

Mas a presidência exige mais. E Luciana parece a candidata mais preparada, com propostas concretas e contundentes, que se pode ver, por exemplo, em entrevistas mais longas e individuais como a que ela deu recentemente ao Estadão (ou mesmo no The Noite, do desagradável Danilo Gentili). A oportunidade de Luciana Genro ser a terceira mulher, rivalizando efetivamente com Dilma e Marina, não tem se confirmado, o que é uma pena. Assumindo de peito aberto propostas polêmicas (e urgentes) como a da democratização da mídia, o poder midiático não quer que Luciana sequer entre no páreo. Foi posta de castigo. E ela muitas vezes não ajuda. Não por causa de sua linguagem - embora uma abordagem mais popular e por vezes menos técnica fossem úteis -, mas pelo fato de seu tom ressentido prevalecer quando tem a oportunidade de estar nos debates presidenciáveis coletivos dos canais abertos. A Luciana das entrevistas individuais (como as concedidas a Fernando Rodrigues, ao Programa Fluxo e ao Estadão) não parece a mesma que recentemente se apresentou nos debates da Band e na SBT. Nos debates abertos, ela perde densidade e reforça o ostracismo a que a relegaram. Tem que reagir.

Mas então, com que cenário ficamos? Bom, sigo para a minha reflexão sobre os tempos que seguem. Antes, deixo o link para quem quiser acompanhar o último debate, na SBT: http://eleicoes.uol.com.br/2014/ao-vivo/2014/09/01/debate-uolsbtfolhajovem-pan-com-os-candidatos-a-presidencia-da-republica.htm

2. A perigosa polaridade e os grandes interesses internacionais sobre os quais pouco ou nada se fala: os riscos do messianismo verde

O marketing político e as alianças vão construindo Marina como candidata da vez. Muito media training, muito retoque na "imagem", muito dedo aqui e ali no vestuário e na fala (vestida de branco para reforçar a pureza e, também, a elegância). E tudo isto tem um significado em tempos de campanha - quem é da comunicação sabe. Mais do que estes elementos (e outros) que ajudam a construir candidatos em campanhas eleitorais apertadas, Marina vem se fortalecendo a partir da construção de um dizer que é esvaziado da dimensão política e que é construído para não confrontar, para simular um mundo quimérico de alianças possíveis, para adequar-se ao imaginário social conservador feito de pequenas mudanças que não confrontem o status quo. Apesar de sua trajetória e perfil, Marina fala a linguagem vazia do bom candidato segundo os parâmetros dos superficiais debates televisivos. Repete palavras de ordem e promete um falso elemento de mudança. 

Sobre Dilma, eu sempre falo muito pouco. Todos conhecem meu posicionamento em relação ao modelo de desenvolvimento preconizado por Dilma - e mesmo por Lula - nos últimos anos. O governo de Dilma é sem dúvida progressista, mas faz uma aposta com a qual absolutamente não concordo - dá "linha" ao agronegócio exportador e fundamenta seu plano de desenvolvimento futuro na mineração, que põe em grave risco os povos do campo e da floresta. O Plano Minerário 2030 é uma evidência de momentos difíceis para os povos indígenas nos próximo anos. Dilma foi dura e inflexível para fazer crescer seu filho, o PAC. As demarcações de terras indígenas foram efetivamente paralisadas em nome de acordos locais nada oportunos para as comunidades. A verdade é que muitos temas polêmicos foram travados no governo Dilma, por confrontarem o plano minerário nacional e o agronegócio.

Apesar de tudo, Dilma tem deixado conquistas indiscutíveis, que os detratores insistem em ignorar ou vilipendiar. O Bolsa Família está entre eles, mas está longe de ser o único. O BF não é um mero programa de transferência de renda. É um programa reconhecido e respeitado no mundo todo que foi bem além da questão económica, propondo um conceito alargado e progressista de família e contribuindo para um novo papel social e económico das mulheres - as principais beneficiárias. Quem critica o Bolsa Família, o faz, na grande maioria das vezes, sem ter lido uma linha sequer da proposta. Critica desconhecendo seu diálogo permanente com outras políticas sociais voltadas para a educação das crianças, a saúde da mulher, a geração de renda e emprego. A classe média odeia o Bolsa Família, assim como odeia as cotas, o Minha Casa, Minha Vida e outras políticas afirmativas que o atual governo implementou/fortaleceu. Sentem deste modo e assim se posicionam porque estas verbas, que reduzem a desigualdade e a concentração de renda, não se transformam no aumento imediato de seu próprio conforto e nível de consumo. A verdade pura e dura é que a redução da desigualdade social não interessa às classes médias ou às elites, já que reduzem os privilégios. E o Brasil se acostumou a ser um País de privilégios.

Minha impressão pessoal sobre toda esta eleição é que o Brasil sairá novamente perdendo se Marina Silva se confirmar. E tomara que eu esteja errada. Seu estilo de Governo não deverá ser muito diferente do estilo do PSDB, talvez com alguma alteração no modo como a exploração dos recursos naturais se dará - mais manejo sustentável e, quem sabe, alguma repartição de benefícios. O que parece justo e bom mostrará o seu impacto a seu tempo. O discurso da sustentabilidade não mexe no núcleo do problema, já que as grandes empresas não pretendem mexer naquilo que se convencionou chamar "core business". E o núcleo do problema é a desigualdade, o apagamento intencional de um conflito entre capital e trabalho, a concentração de renda, a violência de um tempo que é o da acumulação, o fortalecimento de uma lógica que só reconhece aquilo que pode ser transformado em matéria prima (vide Natura e outras tantas empresas como ela). O tempo mostrará a violência das apostas de Marina e para quem ela governa. 

Caso ela se eleja, viveremos tempos de exacerbação de um imaginário social a-político. A pseudo moralização dos negócios através do argumento da sustentabilidade mexerá na casca, mas não no conteúdo. O conceito de "sustentável" será ainda mais banalizado. De todos os males, entretanto, imagino que o amortecimento do debate e da participação popular nas grandes lutas será a maior de todas as perdas. A desestabilização das hierarquias sociais que hoje se sustentam, a redução da concentração de renda, a redução dos latifúndios, a reforma agrária plena, a demarcação das terras indígenas com a manutenção das cosmovisões de seus povos, a plena voz dos movimentos sociais são todas elas conquistas que me parecem muito distantes dos interesses das classes médias e das elites que hoje fazem campanha para Marina.

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