Brasil Periferia(s): Andreia Moassab em Coimbra numa bela conversa sobre cultura e comunicação

Na próxima terça-feira, dia 3, os que estiverem em Coimbra têm um encontro imperdível com Andreia Moassab, na Casa da Esquina, às 18:30h. Andreia vai lançar, também por aqui, o livro "Brasil Periferia(s): A Comunicação Insurgente do Hip Hop", fruto da sua tese de doutoramento. E vai brindar a todos com um bate-papo sobre a pesquisa que realizou no Brasil. Os que conhecem Andreia Moassab sabem como é um privilégio ouvi-la.
A pesquisa empreendida em Brasil Periferia(s) atenta para os processos de resistência vislumbrados no hip-hop, evidenciando seu papel no exercício quotidiano de "produção de conhecimento e ressignificação das periferias" (Moassab, 6). Andreia também inova ao pensar no que pode constituir mídia. O hip-hop, aqui, é apresentado ele mesmo como mídia - o corpo constituindo-se como grito de guerra que comunica. Comunica o quê? Comunica uma história silenciada - a história que os livros de História não contam. A História oficial do Brasil é devedora de uma série de factos que, não sendo convenientes às elites no poder, têm sido relegados ao esquecimento. O hip-hop traz estes factos à superfície em uma clara poética da resistência.
Neste sentido, Moassab mostra o hip-hop como uma das principais "forças político-culturais" existentes hoje no Brasil, articuladora de importante resistência às construções simbólicas hegemónicas. Importante dizer que um minucioso trabalho de campo foi feito pela autora na Zona Sul de São Paulo, especialmente no Jardim Iporanga, Capão Redondo e Monte Azul. Andreia Moassab fez amigos ao longo de sua pesquisa, dentro e fora do Brasil. Em Portugal, uma das pessoas que contribuiu intensamente para a realização de seu trabalho foi o MC Chullage, de Lisboa. No Brasil, são muitos os nomes a quem Andreia reporta suas reflexões: "Maura Costa, produtora musical; Lei Di Dai, uma das vozes femininas do ragga influenciado pelo hip-hop, da zona Leste de São Paulo; Zaro, produtor da banda Núcleo; Rael da Rima e Massao, do grupo Pentágono; Kleber (Criolo Doido), mediador da Rinha dos MCs, batalha de rimas que acontece nas madrugadas de sábado, na zona sul de São Paulo; Edvan Soares (Neco Borramuro), grafiteiro de Franco da Rocha (SP); Jorge Hilton, do grupo Simples Rap'ortagem (Bahia); Kall, da posse Conceitos de Rua (atualmente ONG), no Capão Redondo (São Paulo), que mora atualmente em Berlim (Alemanha) e Preto Zezé, da Central Única das Favelas - Cufa (Ceará)" (Moassab, 32).
Brasil Periferia(s) é um livro belíssimo. Partilho abaixo a orelha que eu escrevi para este livro, em uma oportunidade ímpar de mostrar minha admiração pelo trabalho desta amiga que sempre impressiona e deixa marcas por onde passa. Quem estiver por Coimbra, não pode perder esta conversa com Andreia Moassab: terça, dia 3, às 18:30h, na Casa da Esquina.
Espero vcs por lá. 
A orelha, para dar um gostinho de quero mais:

"Se o espaço urbano configura relevante arena política para batalhas cotidianas na esfera do simbólico, a arte urbana pode, na contramão do consumo cultural dominante, constituir uma poética da resistência. O hip-hop ocupa lugar de destaque na urdidura desta poética. Afirmando uma ruptura estética com a produção cultural hegemônica, o hip-hop tornou audível a voz silenciada das periferias, contando-nos trajetórias que a História oficial insiste em ignorar.

Desejando aproximar-se destas histórias negadas, Andreia Moassab elege estes homens e mulheres como sua “comunidade de destino”. Não vai pesquisá-los com olhos de quem nunca abandona o ponto de partida. Vai, antes, com eles manter conversa, ampliando o volume de suas vozes e sublinhando suas narrativas. Trata-se de uma parceria para a vida.

Sempre atenta aos processos de guetificação no espaço da cidade, a autora resgata a percepção da cultura e da comunicação como lugares de ação política, de ressignificação das periferias, de luta contra o fascismo simbólico. Cunhando este termo a partir da sociologia das ausências, de Boaventura de Sousa Santos, Moassab evidencia como a produção e circulação de sentidos dominantes tem silenciado outras perspectivas de mundo, narcotizando a opinião pública, que naturaliza uma hierarquia das diferenças. A arte, aqui, joga um papel importante: o de redimensionar olhar e escuta. Os anti-heróis cotidianos de Moassab se rebelam. Não disputam um lugar na cena cultural dominante. Longe de serem passivos na batalha simbólica, transformam a cultura e a comunicação num modo de produzir ação e palavra onde antes havia apenas silêncio.

A originalidade de Andreia Moassab está também na sensibilidade com que transpõe o sentido cotidiano de comunicação usualmente aceito nas pesquisas acadêmicas. Inovando a percepção do que seja um objeto comunicacional, aponta o hip-hop - com sua dança, seu grafismo, sua música, seus códigos - como um novo e criativo espaço de interlocução social. Ao formular o hip-hop como mídia, Moassab mostra que o corpo é grito de guerra e comunica. Mídia alternativa e de resistência, que rasga o tecido hegemônico da produção de sentido, o hip hop conta uma história: a dos que, à margem, não se dão por vencidos. Transformando dominação simbólica em biopolítica do coletivo, estes corpos cantam suas raízes, grafitam suas linhas de fuga e poetizam, no duro concreto das cidades, sua inabalável resistência. É, sem dúvida, admirável o modo com que Moassab captura a insurreição destes corpos quando nos convidam a “desligar a televisão e fazer a revolução”.

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